IMAGINAÇÃO
A imaginação é uma capacidade intelectual existente no homem, que consiste em seleccionar partes de registos existentes na memória, e de as reunir e organizar de forma a criar uma nova existência.
Para existir imaginação é necessário primeiro observar — através dos sentidos —, depois memorizar o que se observou — registar organizadamente —, depois dividir por partes as coisas memorizadas, e por fim reunir as partes numa nova organização para obter uma nova criação.
Todo este processo da imaginação é um processo mental, que pode ser parcialmente inconsciente — quando registamos informação sem qualquer controle consciente que mais tarde usamos de uma forma consciente ao recorrermos à memória —, e pode ser quase só consciente — quando estudamos para aprender e criamos como resultado da aprendizagem.
A memória é um conjunto infinito de dados que são registados por dois processos: ou muita informação inconsciente e aleatória, ou pouca informação consciente e estruturada. Imaginar é construir a partir da memória — por exemplo: se uma pessoa vê uma gaivota, um automóvel, e um moinho de vento, fica com estes três elementos registados na memória, e pode retirar em sonhos (desde que posteriormente se recorde deles) ou em pensamentos; as asas e o modelo do corpo da gaivota, as rodas e o motor do automóvel, e se o vento produz movimento na hélice do moinho, também a hélice do moinho produzirá movimento no vento, ou movimento no próprio moinho, e reestruturando estas partes poderá imaginar um avião. — Toda a imaginação funciona assim. Quantos mais elementos estiverem registados na memória e quanto mais forem trabalhados, maior será a imaginação.
A imaginação consiste em pegar em pedaços de informação da memória, e trazê-los à consciência para serem trabalhados. Estes procedimentos mentais são exclusivos do homem porque só o homem tem um cérebro desenvolvido para permitir tal possibilidade.
Assim, imaginar não é criar a partir do nada, mas criar a partir da memória, que como existe apenas mentalmente não pode ser visível nem mensurável, mas a sua existência é a base de todas as faculdades exclusivamente humanas, como a consciência, a inteligência, a criatividade e a imaginação.
A imaginação é um dos motores da evolução humana e está presente em todos os passos evolutivos. Sem imaginação apenas se observava e gravava a observação, e nada se construía a partir dela, artificialmente. Apenas existiria a evolução da vida natural, animal e vegetal. Com a imaginação é possível criar coisas novas a partir das existentes. A natureza comporta tudo e tudo cria de uma forma complexa e desconhecida para o homem, que por um lado é divinamente admirável — repare-se nas belas flores — e por outro lado é terrivelmente catastrófica — repare-se nas epidemias, tempestades e terramotos. A beleza e o terror das forças naturais atribuídas por convicção ao sobrenatural e ao acaso pertencem ao desconhecimento humano. O homem, com a sua imaginação, conseguiu criar um novo mundo — artificial. Esse mundo artificial está suspenso na natureza. A imaginação é ilimitada mas a sua concretização é limitada pela natureza. O valor da imaginação só é significativo quando pode ser aplicado na prática. Para ser aplicado tem que ser testado, e se as leis da natureza não permitirem essa aplicação, a coisa imaginada não passa daí -pode-se imaginar uma casa suspensa no ar, mas a natureza não permite a sua construção. A evolução, que a imaginação originou e direcciona, só seguirá até onde a natureza permitir. A natureza impõe limites, mas esses limites são constantemente alargados devido à criatividade humana, como se existisse uma luta entre a mãe-natureza que domina e o filho-homem que quer dominar.
O mundo artificial que a imaginação criou, partindo primeiro só da própria natureza, e depois partindo já da artificialidade, é um mundo que embora dentro dos limites naturais é totalmente diferente do natural.
A imaginação possibilitou a compreensão do mundo natural, primeiro religiosamente e depois racionalmente. Possibilitou a ascensão do homem, por conseguir melhor protecção e domínio perante os outros seres vivos. Possibilitou que o homem deixasse de ser apenas animal e passasse a ser Homem, com valores superiores de respeitabilidade, sabedoria e cultura. E possibilitou que tivesse uma vida com dignidade e espiritualidade.
Mas esse mundo artificial, produto da imaginação, é um mundo frágil. Frágil porque o homem quando imagina nunca pode prever as consequências da realização dessa imaginação, e pode chocar com os limites da própria natureza, ou da anterior artificialidade e originar acidentes. Porque ninguém conduz o homem no caminho da evolução. É ele que se autodirecciona com base na experiência do passado. E se com imaginação construiu coisas admiráveis que não existiam naturalmente — os transportes, por exemplo — também construiu coisas terrivelmente destruidoras.
A imaginação é assim uma criação da natureza no homem, para facultar a evolução do mesmo, dando seguimento à própria evolução natural. É controlada pela natureza não sendo possível ao homem conhecer esses limites aplicativos, apesar de ser ilimitada conceptualmente.
E o mais importante não é imaginar, mas criar com imaginação.