IDENTIDADE
Tudo o que existe, existe independentemente do nosso conhecimento ou não — a América já existia antes de Colombo a ter descoberto. Mas tudo existe numa forma natural. A natureza é a mãe de tudo. Tudo cria, tudo transforma, tudo domina e tudo extingue...
E o homem, por ser o único possuidor de consciência, é o único que reconhece a existência de tudo o que conhece. Para tudo existir, basta existir. Mas para tudo existir do ponto de vista do conhecimento humano, para além de existir, é necessário que seja identificado. O homem só reconhece a existência daquilo que identifica. E como identifica tudo pelo reconhecimento descritivo ideológico, necessita assim das suas faculdades psicológicas para identificar toda a coisa para que esta se torne existente. O uso dessas faculdades quando o seu desenvolvimento não é pleno, por questões culturais ou biológicas, origina um atrofiamento cognitivo que provoca desfasamento na criação da identidade de determinadas existências.
Assim, como o homem é o único criador de identidades — foi o homem que atribuiu o nome a tudo — tudo o que está identificado, está-lo pela sabedoria humana, e existem várias formas de identidades, conforme o conhecimento da realidade, que vão desde o que o homem conhece concreta, total e cientificamente, até ao que o homem conhece pela suposição, idealização ou imaginação, podendo-se afirmar que o homem identifica não o que existe mas o que pensa que existe, podendo até identificar o que não existe.
A natureza engloba tudo o que existe e o homem faz parte dela. Mas o conhecimento que o homem tem dela nasceu dele e do nada que possuía conscientemente. A natureza criou o homem, e este, uma vez criado, começou a identificar a sua própria criadora. Não foi a natureza que disse “Tu és o homem e eu te criei!”, mas foi o homem que disse “Eu sou o homem e tu me crias-te!”. Porque o homem é o único ser pensante.
O homem é física e cognoscivelmente insignificante perante a imensidão da natureza. A natureza funciona com leis próprias que não caberá ao homem considerar se são inteligentes ou não. Mas a vida do homem é uma permanente luta que visa o conhecimento, compreensão, domínio e identificação dessas leis. A natureza funciona e o homem identifica esse funcionamento. E a inteligência humana é tanto maior quanto maior for o conhecimento que o homem tiver da natureza, ou quantas mais coisas conseguir identificar para compreender correctamente.
Mas o homem ainda se encontra numa fase de cujo conhecimento dedicado à identidade é muito banal e fútil, filosoficamente falando. O homem ainda não se encontrou a ele próprio na natureza, e vive preocupado com problemas demasiado terrenos, como a nacionalidade, etnia, ascendência, religião, língua, residência, e outros ainda mais elementares que são necessários para a existência legal, social e económica, como o cartão de identidade, passaporte, número fiscal de contribuinte e de beneficiário da assistência social ou da saúde, e de números de identificação bancária ou de sócios de clubes.
Todos estes elementos identificativos são necessários para a vida civilizada, para poder haver ordem e de alguma forma confirmar a existência individual, mas não são nenhuma necessidade vital natural, nem é por eles que o homem atinge a plenitude da superioridade perante os demais seres da natureza.
Mais importante que sabermos quem somos perante a sociedade é sabermos quem somos perante a natureza.
Mas as coisas são o que são, e a identidade de tudo como é feita pelo homem também muda conforme a vontade deste. Muitas coisas são identificadas de diferentes formas simultaneamente, devido às diferenças presentes em quem as identifica. A evolução dirá se a identidade humana caminha no sentido da globalização dos mais elevados valores humanos, ou se simplesmente se manterá com valores identificativos que apenas ajudam a viver, uns melhor, outros pior.