CONHECIMENTO
Conhecimento é sabedoria, é inteligência, é erudição, é intelectualidade, é racionalidade, é experiência — é o conjunto de tudo isto, mas nada disto em particular.
O conhecimento apenas é acumulação de informação. Informação que pode ser útil ou não. Possuir grandes conhecimentos de assuntos que de nada servem é errado, é desperdício. É errada a célebre frase que afirma que “saber não ocupa lugar”. O saber ocupa lugar, e o lugar que possuímos para guardar o saber é limitado.
Possuir conhecimento de uma coisa é ter gravado na memória consciente essa coisa. [Eu sei que a bandeira portuguesa é verde e encarnada porque a recordo. A imagem da bandeira portuguesa está registada na minha memória consciente. Eu já vi as bandeiras de todos os países do mundo, e sei que todas as que vi estão registadas no meu inconsciente. Mas não as posso descrever todas. Apenas posso descrever as que recordo]. Assim, o conhecimento é apenas o que se recorda e do qual se pode falar conscientemente. E esta capacidade de recordar, de ter um acesso consciente à memória, é limitada, embora sejam indefiníveis os seus limites. Dependem da capacidade natural do cérebro.
A capacidade do cérebro, apesar de ser limitada quanto ao que é consciente, é de uma dimensão enormíssima, pois guarda tudo o que nos é útil, necessário e importante para o dia-a-dia, como a nossa identidade — psicológica e social — que se compõe de infinitas informações concretas (nomes, números, direcções, nºs de telefone, horários, programas, preços...) e de infinitas informações mais informais (linguagem, recordações, lembranças, desejos, sonhos, projectos, ideais...). Toda a nossa vida mental consciente está alicerçada em informação que nós manipulamos mentalmente. Essa manipulação consiste em relacionar uma imagem ou acto mental com a sua realidade concreta ou concretização real. Isso é conhecimento, real e consciente.
É este conhecimento consciente o mais importante na nossa vida. Pois é recorrendo ao passado e à memória que nós usamos o cérebro e a mente possibilitando a prática e a acção criando uma cadeia em continuidade. É também com a capacidade que nós temos de usar o conhecimento que temos acesso a mais conhecimento. Assim, o importante não é saber — até porque é impossível saber tudo — mas saber como saber o que é necessário em determinada situação. [É inútil eu saber, recordar e descrever todas as bandeiras do mundo, mas se por algum motivo eu tiver que as diferenciar, devo saber onde as posso encontrar para as descrever]. Repetindo, o importante não é saber, mas saber como saber.
O melhor conhecimento é o conhecimento consciente de chaves de acesso ao conhecimento inconsciente, individual ou colectivo. E esse conhecimento inconsciente é que é ilimitado. É que é tudo o que for a vida do homem. Tudo o que o homem quiser e não quiser.
Exceptuando as diferenças sócio-biológicas do cérebro e sendo ele conscientemente limitado, a explicação para que indivíduos em igualdade de circunstâncias possuam graus de conhecimentos diferentes encontra-se na forma como é usado o próprio consciente.
O consciente é usado de diferentes formas em cada indivíduo. Um indivíduo que sempre viveu no mundo rural, isolado da civilização e sem acesso à grande informação, tem o seu consciente ocupado apenas com o contexto do seu ambiente rural, não possuindo por motivos sociais conhecimentos mais abrangentes. Um forte adepto de futebol sabe conscientemente tudo sobre o futebol — história dos clubes, nomes dos intervenientes, etc. — mas como tem o seu consciente quase todo ocupado com o futebol não pode saber muito de outros assuntos — teria que esquecer o futebol — assim, por razões culturais, possui muitos conhecimentos de uma coisa, mas poucos de tudo. Um indivíduo que passe a maior parte do seu tempo em actividades monótonas e repetitivas, quer sejam de trabalho ou divertimento, ocupa o tempo sem nada aprender, preenchendo o seu consciente com futilidades e ainda que saiba tudo do trabalho ou do jogo possui pouco conhecimento geral.
Embora o mais importante na vida seja que cada um se sinta feliz independentemente da qualidade e quantidade de conhecimentos que possui, pode-se considerar que os exemplos citados referem cérebros subaproveitados. Mas se este subaproveitamento se considerar defeito, não é defeito inferior a um cérebro sobrecarregado, senão vejamos: imaginemos um indivíduo que possui muitos conhecimentos, estudou a vida inteira, passa os dias em bibliotecas, viajou muito, recebe informação de muitas fontes, conhece meio mundo e passou por inúmeras experiências.
Este indivíduo pode-se caracterizar de três formas: por um lado não pode ter estes conhecimentos todos presentes conscientemente. A maior parte deles — a grande parte mesmo — fazem parte do seu inconsciente, e só é verdadeiramente conhecedor se guardar conscientemente apenas as chaves de acesso ao enorme inconsciente. Não sabe uma coisa, mas sabe onde a encontra. E os livros ou os registos dos imensos meios de “gravação” que actualmente existem permitem ter acesso a uma quantidade infinita de informação. Só assim se tem verdadeiro conhecimento, pois de nada servem as coisas que já esqueceram e não podem ser recuperadas da memória.
Por outro lado, este indivíduo se não souber organizar a forma de guardar todo este conhecimento, mais facilmente tem perturbações mentais. Como a memória consciente é limitada, não podemos saber mais que aquilo que o cérebro permite, e como não sabemos os limites, podemos introduzir dados em excesso podendo estes provocar uma espécie de engarrafamento, de desorganização mental. Recorde-se que o próprio raciocínio é apenas uma “manipulação” mental de dados, se os dados forem excessivos, complexos ou indecifráveis, o cérebro bloqueia.
E por fim, de nada serve ser possuidor de um vasto conhecimento se em nada é usado na vida. O verdadeiro valor do conhecimento está na sua utilidade. O ideal, ainda que utópico, seria conhecer tudo o que fosse necessário conhecer, quaisquer que fossem as razões.
O conhecimento pode ser alterado e perturbado por acidentes, doenças, drogas ou medicamentos, que afectem o cérebro onde se aloja toda a memória, consciente e inconsciente, podendo o inconsciente manifestar-se de formas anormais — alterações de personalidade, amnésias, etc. E sabendo que o conhecimento útil é consciente e racional, pode ser também afectado por razões emocionais e afectivas. Pois quando uma pessoa está sentimentalmente ferida, o cérebro está demasiado ocupado com esse sofrimento e não tem capacidade para pensar. Este bloqueamento provocado pelos sentimentos pode levar aos mesmos problemas.
O conhecimento pode-se entender de quatro formas: individual consciente — aquilo que determinada pessoa sabe; individual inconsciente — aquilo que determinada pessoa soube, mas já esqueceu e aquilo que sabe sem saber que sabe, sabe inconscientemente; colectivo consciente — aquilo que todos sabem; colectivo inconsciente — aquilo de que ninguém se recorda, mas que pode estar ainda na memória de alguém, ou pode estar na natureza, nos museus e nas bibliotecas. Note-se que o inconsciente é composto não só de tudo o que já existiu conscientemente, mas também de tudo o que existe e ao qual ainda ninguém conscientemente teve acesso — a gravidade já existia antes de Newton formular as suas leis.
O conhecimento é apenas acumulação de informação. O importante é acumular informação que nos permita usar o próprio conhecimento.