ESPERANÇA
“A esperança é a última coisa a morrer” — esta popular frase traduz o que é a esperança. Mas a esperança é ainda mais que isso, e contrariando o sentido da própria palavra, a esperança é mais negativa do que se possa esperar. Pois a esperança não só é a última coisa a morrer, como nunca morre. Nunca morre porque é como se não existisse. A esperança é mais uma das muitas ideias criadas pelo espírito humano.
Considerada uma virtude, a esperança é apenas fomentada pelos sábios perante os ignorantes, que a revalorizam, pois a mesma é uma grande companheira dos ignorantes. Quando um indivíduo não tem meios de saber o que lhe vai acontecer, resta-lhe ter esperança. Tem esperança de que lhe aconteça o que deseja, ou que não aconteça o que não deseja. A esperança está sempre relacionada com um desejo futuro e só existe até ao momento em que se realiza o acontecimento que o causava.
A esperança é usada pelos conhecedores para dominar os ignorantes, e é usada pelos ignorantes para continuar a acreditar numa causa sem garantias, que pode ser perdida. É uma atenuante da derrota. Se soubéssemos tudo não existiria esperança, pois a esperança nasceu da ignorância.
A esperança é sempre chamada perante a suposição, a incerteza, e a dúvida. O seu valor é irrelevante porque o facto de termos esperança em alguma coisa, essa esperança de nada serve para concretizar essa coisa. A esperança começa quando começa a dúvida sobre alguma coisa e termina quando se esclarece essa dúvida. Só existe no estado de dúvida.
Só tem esperança quem tem dúvidas, e todo o ser humano tem dúvidas, sejam elas concretas ou existenciais. Quanto mais dúvidas tiver, maior é a esperança. Enquanto há vida há esperança porque enquanto há vida existem dúvidas e incertezas. Só condenados à morte ou incuravelmente doentes temos vida sem esperança, porque temos vida sem dúvidas.
A esperança produz um efeito psicológico semelhante à felicidade — como que uma felicidade falsa. Se uma pessoa acredita plena e convictamente numa coisa que não existe, essa coisa passa a existir para essa pessoa, porque a desejava muito, mas só existe psicologicamente. E essa existência psicológica provoca efeitos reais, e agradáveis porque é uma coisa desejada. Da mesma forma a esperança, que não existe realmente, provoca efeitos reais.
Mas a esperança só existe perante as dúvidas do que é desejado. Só esperamos o que não temos, mas desejamos. E a esperança é um meio de atenuar esse desejo que nos invade, dando-nos uma satisfação prévia face à resolução do desejo. Mas é um meio falso, que aquando do esclarecimento da dúvida, no acto da ocorrência ou na previsão correcta do mesmo, pode ser a confirmação do facto que deu origem ao desejo, mas também pode ser a sua eliminação. E quanto maior for a esperança — o sentimento que durante algum tempo deu alguma felicidade — mais se transforma numa explosão de alegria ou num tremendo desgosto.
Se desejamos uma coisa, temos esperança que a mesma se concretize da mesma forma que não desejando uma coisa temos medo da sua concretização. Quanto mais fortes forem os sentimentos — esperança e medo — maiores serão as emoções — alegria ou tristeza — desencadeadas pelos acontecimentos.
A esperança apenas é um manto suave que cobre alguma coisa que esperamos ser boa, ou agradável. Esse manto dá-nos alguma felicidade. Mas não sabemos o que se encontra por baixo do mesmo e como às vezes temos medo de saber se a verdade que está debaixo do manto é má para nós, então preferimos manter o manto e ter alguma felicidade – falsa — em vez de sermos infelizes com a realidade. Preferimos a esperança de uma coisa boa à verdade de uma coisa má.
Pela mesma razão, muitas pessoas vivem desconhecendo a realidade durante toda a vida, mas vivem felizes devido a elevadas doses de esperança, preferindo uma mentira boa a uma verdade má.
A religião, a política, e muitas outras ideologias representadas em instituições com poder, conhecedoras do que está debaixo do manto, conhecedoras da verdade, são as primeiras a defender que o manto não deve ser retirado, para que os outros, os ignorantes, pensem que a verdade é o próprio manto, permanecendo as primeiras sempre dominantes.
E assim quase todo o mundo vive com uma felicidade suspensa, edificada sobre um manto falso chamado esperança, que muitas vezes se rasga, mas nunca se abre o suficiente para esclarecer a verdade, porque a força dos que seguram o manto é superior à força dos que nele vivem. E a esperança de muitos é a realidade de alguns. E será sempre assim enquanto os ignorantes se contentarem apenas com a felicidade dada pela esperança.
A esperança é a ultima coisa a morrer, porque enquanto houver ignorância há esperança, e enquanto houver vida, há ignorância.